terça-feira, 29 de dezembro de 2015
segunda-feira, 14 de dezembro de 2015
Letra Q com Natal à mistura: "Prece do Natal"/Carlos Queirós
Menino Jesus
De novo nascido,
Baixai o sentido
Para a nossa cruz!
Vede que os humanos
Erros e cuidados
Nos são tão pesados
Como há dois mil anos.
A nossa ignorância
É um fardo que arde.
Como se faz tarde
Para a nossa ânsia!
Nós somos da Terra,
Coisa fria e dura.
Olhai a amargura
Que esse olhar encerra.
Colai o ouvido
À alma que sofre;
Abri esse cofre
Do sonho escondido.
Pegai nessa mão
Que treme de medo;
Sondai o segredo
Da minha oração.
Esta pobre gente
Que mal é que fez?
Nós somos, talvez,
Um povo «inocente»…
Menino Jesus
Que andais distraído
Baixai o sentido
Para a nossa cruz!
A mais insofrida
De tantas misérias
– Não termos mais férias
Ao longo da vida –
Trocai por amenas
Manhãs sem cuidados,
Silêncios banhados
De ideias serenas;
Por cantos e flores
Risonhas imagens
Macias paisagens
Felizes amores!
Carlos Queirós, in
'Antologia Poética'
sexta-feira, 11 de dezembro de 2015
Manhã de Inverno/Machado de Assis
Coroada de névoas, surge a aurora
Por detrás das montanhas do oriente;
Vê-se um resto de sono e de preguiça,
Nos olhos da fantástica indolente.
Névoas enchem de um lado e de outro os morros
Tristes como sinceras sepulturas,
Essas que têm por simples ornamento
Puras capelas, lágrimas mais puras.
A custo rompe o sol; a custo invade
O espaço todo branco; e a luz brilhante
Fulge através do espesso nevoeiro,
Como através de um véu fulge o diamante.
Vento frio, mas brando, agita as folhas
Das laranjeiras úmidas da chuva;
Erma de flores, curva a planta o colo,
E o chão recebe o pranto da viúva.
Gelo não cobre o dorso das montanhas,
Nem enche as folhas trêmulas a neve;
Galhardo moço, o inverno deste clima
Na verde palma a sua história escreve.
Pouco a pouco, dissipam-se no espaço
As névoas da manhã; já pelos montes
Vão subindo as que encheram todo o vale;
Já se vão descobrindo os horizontes.
Sobe de todo o pano; eis aparece
Da natureza o esplêndido cenário;
Tudo ali preparou co’os sábios olhos
A suprema ciência do empresário.
Canta a orquestra dos pássaros no mato
A sinfonia alpestre, — a voz serena
Acordo os ecos tímidos do vale;
E a divina comédia invade a cena.
Machado de Assis, in 'Falenas'
As palavras estiveram à solta na biblioteca...(a)pre(n)dam (com) elas
Em breve comentários e imagens
sexta-feira, 4 de dezembro de 2015
Fernando Pessoa e...
"Heterónimos
Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos são os heterónimos mais conhecidos de Fernando Pessoa, mas o poeta tinha muitos mais. Afinal, quantos eram?"
terça-feira, 1 de dezembro de 2015
Natal em poemas I: "Chove. É Dia de Natal"/Fernando Pessoa
Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.
E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.
Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.
Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
terça-feira, 24 de novembro de 2015
quinta-feira, 19 de novembro de 2015
"A Poesia Vai Acabar" ABC...p
A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —
Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —
Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"
quarta-feira, 18 de novembro de 2015
Este livro é a minha cara!
Tira uma fotografia com a cara tapada pela capa de um livro que tu gostavas/gostastes de ler!
Coloca no Facebook da BE Camarate
Coloca no Facebook da BE Camarate
quarta-feira, 11 de novembro de 2015
Aviso alteração no acesso em linha à B.M. José Saramago Loures
CONSULTAR AGORA
OU
Na BARRA LATERAL - "LER EM BIBLIOTECAS" A ligação ao catálogo em linha da Biblioteca Municipal já está atualizada
ABC ... O
Aos Vindouros, se os Houver...
Vós, que trabalhais só duas horas
a ver trabalhar a cibernética,
que não deixais o átomo a desoras
na gandaia, pois tendes uma ética;
que do amor sabeis o ponto e a vírgula
e vos engalfinhais livres de medo,
sem peçários, calendários, Pílula,
jaculatórias fora, tarde ou cedo;
computai, computai a nossa falha
sem perfurar demais vossa memória,
que nós fomos pràqui uma gentalha
a fazer passamanes com a história;
que nós fomos (fatal necessidade!)
quadrúmanos da vossa humanidade.
Alexandre O'Neill, in 'Poemas com Endereço
a ver trabalhar a cibernética,
que não deixais o átomo a desoras
na gandaia, pois tendes uma ética;
que do amor sabeis o ponto e a vírgula
e vos engalfinhais livres de medo,
sem peçários, calendários, Pílula,
jaculatórias fora, tarde ou cedo;
computai, computai a nossa falha
sem perfurar demais vossa memória,
que nós fomos pràqui uma gentalha
a fazer passamanes com a história;
que nós fomos (fatal necessidade!)
quadrúmanos da vossa humanidade.
Alexandre O'Neill, in 'Poemas com Endereço
terça-feira, 10 de novembro de 2015
ABC ...N de Neruda
Não Me Sinto Mudar
Não me sinto mudar. Ontem eu era o mesmo.
O tempo passa lento sobre os meus entusiasmos
cada dia mais raros são os meus cepticismos,
nunca fui vítima sequer de um pequeno orgasmo
mental que derrubasse a canção dos meus dias
que rompesse as minhas dúvidas que apagasse o meu nome.
Não mudei. É um pouco mais de melancolia,
um pouco de tédio que me deram os homens.
Não mudei. Não mudo. O meu pai está muito velho.
As roseiras florescem, as mulheres partem
cada dia há mais meninas para cada conselho
para cada cansaço para cada bondade.
Por isso continuo o mesmo. Nas sepulturas antigas
os vermes raivosos desfazem a dor,
todos os homens pedem de mais para amanhã
eu não peço nada nem um pouco de mundo.
Mas num dia amargo, num dia distante
sentirei a raiva de não estender as mãos
de não erguer as asas da renovação.
Será talvez um pouco mais de melancolia
mas na certeza da crise tardia
farei uma primavera para o meu coração.
Pablo Neruda, in 'Cadernos de Temuco'
Tradução de Albano Martins
O tempo passa lento sobre os meus entusiasmos
cada dia mais raros são os meus cepticismos,
nunca fui vítima sequer de um pequeno orgasmo
mental que derrubasse a canção dos meus dias
que rompesse as minhas dúvidas que apagasse o meu nome.
Não mudei. É um pouco mais de melancolia,
um pouco de tédio que me deram os homens.
Não mudei. Não mudo. O meu pai está muito velho.
As roseiras florescem, as mulheres partem
cada dia há mais meninas para cada conselho
para cada cansaço para cada bondade.
Por isso continuo o mesmo. Nas sepulturas antigas
os vermes raivosos desfazem a dor,
todos os homens pedem de mais para amanhã
eu não peço nada nem um pouco de mundo.
Mas num dia amargo, num dia distante
sentirei a raiva de não estender as mãos
de não erguer as asas da renovação.
Será talvez um pouco mais de melancolia
mas na certeza da crise tardia
farei uma primavera para o meu coração.
Pablo Neruda, in 'Cadernos de Temuco'
Tradução de Albano Martins
segunda-feira, 26 de outubro de 2015
ABC...M(oraes)
Mar
Na melancolia de teus olhos
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar.
Nos frios espaços de teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
O silêncio.
E anseio em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte.
Vinicius de Moraes
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
Biografia de Frederico Garcia Lorca (ABC letra L)
http://fotos.sapo.pt/2zsQibnwF43JKHru6mb0/x435 |
A vida e obra de García Lorca pelo que foram e são adquiriram uma grandeza mítica com o poeta ainda vivo, dimensão que aumentou com a sua morte prematura e trágica, a Guerra Civil espanhola de 1936-1939, o silenciamento que o poder franquista impôs à sua obra, à sua ida, à sua morte.
Hoje, passados, mais de 60 anos sobre a madrugada de Agosto de 1936 em que o poeta se tornou um dos símbolos da Espanha martirizada, investigada a sua vida e sujeita a notáveis esforços de revisão textual a sua obra, podemos ter do poeta uma imagem desmistificada, em que ele deixou de ser alguém puramente mágico e o poeta os ciganos, para ser visto como um homem perturbado pelas suas inquietações íntimas e anseios artísticos múltiplos, consciente dos meios que procurava para a obra que escreveu com febril entusiasmo e domínio total os elementos que empregava, que fizeram dele um dos maiores escritores espanhóis do século XX. A sua obra desvenda alguém com o coração ferido, dominado sempre por agouros e ameaças de morte, para quem o amor raramente é plenitude, sendo um espaço desolado e sombrio.
segunda-feira, 12 de outubro de 2015
Prémio Nobel da Literatura 2015
A prémio Nobel da Literatura 2015, Svetlana Alexievitch, definiu hoje o regime da Bielorrússia como uma "ditadura suave" na véspera das eleições presidenciais no seu país, dirigido há 21 anos pelo Presidente Alexander Lukashenko.
ler mais em:
http://www.tsf.pt/internacional/interior/nobel_da_literatura_diz_que_bielorrussia_vive_uma_ditadura_suave__4827818.html
sexta-feira, 25 de setembro de 2015
Formar Leitores para Ler o Mundo: depoimentos na Casa da Leitura
“No âmbito do Congresso Internacional de Promoção da Leitura, o projecto Gulbenkian Casa da Leitura decidiu lançar um amplo debate junto de especialistas portugueses, brasileiros e espanhóis, a propósito do seu tema central: «Formar Leitores para Ler o Mundo». Convocámos leitores, escritores, promotores de leitura, professores, ilustradores, bibliotecários, investigadores, mas também fotógrafos, cientistas, leitores, editores e livreiros, quebrando deste modo as barreiras físicas da conferência, lançando o debate antes mesmo do início da conferência.”
Ler mais em http://magnetesrvk.no-ip.org/casadaleitura/portalbeta/bo/documentos/depoimentos2.pdf |
terça-feira, 15 de setembro de 2015
ABC...K
NATURALIDADE
Europeu, me dizem.
Eivam-me de literatura e doutrina
europeias
e europeu me chamam.
Não sei se o que escrevo tem a raiz de algum
pensamento europeu.
É provável... Não. É certo,
mas africano sou.
Pulsa-me o coração ao ritmo dolente
desta luz e deste quebranto.
Trago no sangue uma amplidão
de coordenadas geográficas e mar índico.
Rosas não me dizem nada,
caso-me mais à agrura das micaias
e ao silêncio longo e roxo das tardes
com gritos de aves estranhas.
Chamais-me europeu? Pronto, calo-me.
Mas dentro de mim há savanas de aridez
e planuras sem fim
com longos rios langues e sinuosos,
uma fita de fumo vertical,
um negro e uma viola estalando.
Rui Knopfli, O país dos outros, 1959
Consulta em 15/09/2015 em http://folhadepoesia.blogspot.pt/2013/06/o-euromocambicano-rui-knopfli.html
sexta-feira, 11 de setembro de 2015
ABC de poemas letra J
Inteligência, dá-me o nome exacto das coisas
Inteligência, dá-me
o nome exacto das coisas!
... Minha palavra seja
a própria coisa,
criada por minha alma novamente.
Que por mim cheguem todos
os que não as conhecem, às coisas;
que por mim cheguem todos,
os que já as esquecem, às coisas;
que por mim cheguem todos
os próprios que as amam, às coisas...
Inteligência, dá-me
o nome exacto, e teu,
e seu, e meu, das coisas.
Juan Ramón Jiménez, in "Eternidades"
Tradução de José Bento
Consulta em linha 11 de setembro de 2015 em URL:
quarta-feira, 9 de setembro de 2015
Regresso...
"A escola foi para mim como um barco: me dava acesso a outros mundos. "
Mia Couto em O Último Voo do Flaming (acesso em linha: http://www.citador.pt/frases/a-escola-foi-para-mim-como-um-barco-me-dava-aces-mia-couto-24001)
sexta-feira, 24 de julho de 2015
ABC de poemas: um "I" de interrogação
O Meu Olhar Azul como o Céu
O meu olhar azul como o céu
É calmo como a água ao sol.
É assim, azul e calmo,
Porque não interroga nem se espanta ...
Se eu interrogasse e me espantasse
Não nasciam flores novas nos prados
Nem mudaria qualquer cousa no sol de modo a ele ficar mais belo...
(Mesmo se nascessem flores novas no prado
E se o sol mudasse para mais belo,
Eu sentiria menos flores no prado
E achava mais feio o sol ...
Porque tudo é como é e assim é que é,
E eu aceito, e nem agradeço,
Para não parecer que penso nisso...)
Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XXIII"
Heterónimo de Fernando Pessoa
quarta-feira, 8 de julho de 2015
Letra H...
A Possibilidade de uma Ilha
Minha vida, minha vida, minha muito ancestral
Mal cumprido o meu primeiro voto
Repudiado o meu primeiro amor,
Precisei do teu retorno.
Precisei de conhecer
O que a vida tem de melhor,
Quando dois corpos brincam com a felicidade
E se unem e renascem sem fim.
Dominado por uma dependência total,
Sei o estremecimento do ser
A hesitação em desaparecer,
O sol que incide de través
E o amor, onde tudo é fácil,
Onde tudo é dado no momento;
Existe no meio do tempo
A possibilidade de uma ilha.
Michel Houellebecq, in "A Possibilidade de uma Ilha"
terça-feira, 7 de julho de 2015
Sugestões de leitura de verão II
Policial - O Médico e o Monstro/Robert Louis Stevenson
Fantástico - Frankenstein/Mary Shelley
Ficção - O Livro das Lendas/Selma Lagerlof
Fantástico - Frankenstein/Mary Shelley
Ficção - O Livro das Lendas/Selma Lagerlof
terça-feira, 30 de junho de 2015
Letra G de Gedeão "Pedra filosofal"
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
António Gedeão, in 'Movimento Perpétuo'
segunda-feira, 15 de junho de 2015
Letra F de Daniel Filipe
A Invenção do Amor
Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor
Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia
quotidiana
Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado
Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo
Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia
iminente a captura A polícia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeia
Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos
(...)
Daniel Filipe, in 'A Invenção do Amor e Outros Poemas'
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor
Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia
quotidiana
Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado
Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo
Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia
iminente a captura A polícia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeia
Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos
(...)
Daniel Filipe, in 'A Invenção do Amor e Outros Poemas'
quinta-feira, 11 de junho de 2015
ABC de poemas letra E
Ode à Amizade
Se depois do infortúnio de nascermos
Escravos da Doença e dos Pesares
Alvos de Invejas, alvos de Calúnias
Mostrando-nos a campa
A cada passo aberta o Mar e a Terra;
Um raio despedido, fuzilando
Terror e morte, no rasgar das nuvens
O tenebroso seio
A Divina Amizade não viera
Com piedosa mão limpar o pranto,
Embotar com dulcíssono conforto
As lanças da Amargura;
O Sábio espedaçara os nós da vida
Mal que a Razão no espelho da Experiência
Lhe apontasse apinhados inimigos
C'o as cruas mãos armadas;
Terna Amizade, em teu altar tranquilo
Ponho — por que hoje, e sempre arda perene
O vago coração, ludíbrio e jogo
Do zombador Tirano.
Amor me deu a vida: a vida enjeito,
Se a Amizade a não doura, a não afaga;
Se com mais fortes nós, que a Natureza,
Lhe não ata os instantes.
Que só ditosos são na aberta liça
Dois mortais, que nos braços da Amizade,
Estreitos se unem, bebem de teu seio
Nectárea valentia.
Tu cerceias o mal, o bem dilatas,
E as almas que cultivas cuidadosa,
Com teu suave alento aformosentam-se
Medradas e viçosas.
Caia a Desgraça, mais que o raio aguda
Rebente sobre a fronte ao mal votada,
Mais lenta é a queda, menos cala o golpe
No manto da Amizade:
E se desce o Prazer, com ledo rosto
A alumiar o peito de Filinto,
A chama sobe, e vai prender seu lume
Na alma do fido Amigo.
Escravos da Doença e dos Pesares
Alvos de Invejas, alvos de Calúnias
Mostrando-nos a campa
A cada passo aberta o Mar e a Terra;
Um raio despedido, fuzilando
Terror e morte, no rasgar das nuvens
O tenebroso seio
A Divina Amizade não viera
Com piedosa mão limpar o pranto,
Embotar com dulcíssono conforto
As lanças da Amargura;
O Sábio espedaçara os nós da vida
Mal que a Razão no espelho da Experiência
Lhe apontasse apinhados inimigos
C'o as cruas mãos armadas;
Terna Amizade, em teu altar tranquilo
Ponho — por que hoje, e sempre arda perene
O vago coração, ludíbrio e jogo
Do zombador Tirano.
Amor me deu a vida: a vida enjeito,
Se a Amizade a não doura, a não afaga;
Se com mais fortes nós, que a Natureza,
Lhe não ata os instantes.
Que só ditosos são na aberta liça
Dois mortais, que nos braços da Amizade,
Estreitos se unem, bebem de teu seio
Nectárea valentia.
Tu cerceias o mal, o bem dilatas,
E as almas que cultivas cuidadosa,
Com teu suave alento aformosentam-se
Medradas e viçosas.
Caia a Desgraça, mais que o raio aguda
Rebente sobre a fronte ao mal votada,
Mais lenta é a queda, menos cala o golpe
No manto da Amizade:
E se desce o Prazer, com ledo rosto
A alumiar o peito de Filinto,
A chama sobe, e vai prender seu lume
Na alma do fido Amigo.
Filinto Elísio, in "Odes"
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